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11.8.11

Rembrandt e o judaísmo – As Cabeças de Rembrandt

Uma exposição no Museu de Filadélfia pesquisa por raízes judaicas dos Jesus de Rembrandt e revisita o mal compreendido relacionamento do mestre holandês com o judaísmo.

POR ROBIN CEMBALEST

Como tantos outros aspectos da sua vida e obra, a conexão de Rembrandt com os judeus tem sido sentimentalizada, superestimada, distorcida, criticada, dissecada - e ridicularizada. Nos últimos anos a imagem do artista como sendo um filo-semita que pintou e manteve contatos sociais com seus vizinhos judeus tornou-se um intenso tema de debate acadêmico. No entanto a noção de que há algo de cripto-judaico sobre Rembrandt continua a atrair as atenções.

Mas talvez os judeus que aparecem na arte de Rembrandt estão escondidos, porém a plena vista, e claramente visíveis nas representações do seu protagonista favorito judeu. Essa é a tese do "Rembrandt e o Rosto de Jesus", uma exposição provocativa que estreou no Louvre no ano passado e irá ser mostrada no Museu de Arte da Filadélfia na próxima semana antes de viajar para Detroit em novembro. No catálogo o curador Lloyd DeWitt sugere que o modelo para a série de sete cabeças de Cristo - estudos que DeWitt acredita que Rembrandt utilizava para várias das suas grandes pinturas religiosas eram de um judeu. Embora DeWitt não seja o primeiro que identificou um Jesus judeu na obra de Rembrandt ou nesta particular série de pinturas, a mostra é a primeira que une todas as sete desde 1656 e se constitui no esforço mais ambicioso para visualizá-las num contexto mais amplo do trabalho religioso do artista. Além de ser a maior mostra conjunta das pinturas d e Jesus por Rembrandt, a exposição é também a maior mostra conjunta dos judeus de Rembrandt. 


Ou seja, se você concordar com a tese de DeWitt sobre a etnia da figura que aparece nestes estudos, uma teoria para a qual não há nenhuma prova documental. Não há registro conhecido de que um homem judeu posou para tais pinturas. Nenhum dos estudos foi assinado ou datado, e apenas um foi autenticado. DeWitt, no entanto encontra apoio para a sua premissa através de uma fonte intrigante: uma auditoria de 1656 da casa de Rembrandt. Na lista foram encontradas três cabeças de Cristo, possivelmente da mesma série que os da dessa exposição. Uma dessas cabeças era descrita como "ao vivo", uma frase que os estudiosos inferem que Rembrandt trabalhou com um modelo vivo. Naquele determinado lugar e época da carreira do artista, DeWitt explica, quando as suas obras religiosas tornaram-se mais espirituais e menos espetaculares, é provável que Rembrandt tenha procurado um modelo com uma mesma fisionomia como a do seu salvador, ou seja, a de um judeu, na sua busca de um Jesus humilde e naturalista que tem sido pintado na história da arte até os dias de hoje.

Esclarecer as ligações do mestre holandês com os judeus, ou então a não ligação, tornou-se uma obsessão para os estudiosos ao longo da última década. Livros e exposições têm analisado a genealogia de Rembrandt, a sua religiosidade, suas encomendas, seus motivos para se mudar para um bairro judeu, as suas cenas do Velho Testamento, as suas cenas do Novo Testamento, e sua relação com o rabino Manassés ben Israel - cujo livro Rembrandt talvez tenha ilustrado e cujo retrato ele pintou ou não, e que possivelmente o ajudou nos escritos em aramaico da famosa tela ‘Belshazzar Feast’. Alguns destes esforços destacam a relação especial de Rembrandt com os judeus numa Amsterdam tolerante, multicultural e que era também um refúgio para os que fugiam da Inquisição e dos pogroms da Europa Oriental. Porém o Museu Histórico Judaico de Amsterdã argumenta não haver evidências de qualquer relação especial entre Rembrandt e os judeus, e que a imagem que vem de l onga data do Velho Mestre é apenas um mito romântico.

Atualmente a maioria dos historiadores da arte concorda em alguns pontos: que Rembrandt não era secretamente um judeu, não era filo-semita nem era particularmente um mensch. Em vez disso, como é do conhecimento geral, por causa da sua reputação de ter essas qualidades foram as que levaram gerações de curadores de rotular erroneamente certos tipos de pinturas (especialmente de homens de barba com ar espiritualista) como sendo retratos de judeus (especialmente de rabinos). Atualmente a maioria das obras de Rembrandt "judaicas" tem sido desjudaizadas. Mesmo a obra ‘A Noiva Judia’ já não é considerada como sendo judaica, nem necessariamente de uma noiva. Pelo consenso acadêmico atual há somente um judeu identificado na arte de Rembrandt: o médico sefaradita Efraim Bueno. Duas outras pinturas de Rembrandt com jovens com quipás, também são consideradas como sendo de judeus: Uma está no Museu Kimbell em Fort Worth e outra no Museu Staatliche em Berlim.


As características que distinguem esses homens são rostos largos, pesadas pálpebras e lábios arredondados, apóiam a opinião de DeWitt, porque se assemelham às imagens de Jesus que Rembrandt começou a pintar no final da década de 1640, e um dos estudos dessa época aparece nesta exposição. No catálogo da exposição vários estudiosos opinam que estas obras foram feitas em um ponto na carreira de Rembrandt, quando ele se afastava de imagens altamente dramáticas e divinamente inspirados de Jesus as quais eram a regra na pintura ocidental, para uma figura mais introspectiva que inspirava a meditação e a reverência, uma qualidade que caracterizou obras-primas como ‘The Hundred Guilder’ e a ‘Ceia em Emmaús’. A ‘Ceia’ e ‘Emmaús’ fazem outras alusões diretas sobre a herança judaica de Cristo, escreveram os historiadores da arte Larry Silver e Shelley Perlove nesse catálogo: O pão que partilha com os seus discípulos é uma chalá trançada.

No entanto a maioria dos que escreveram no catálogo são mais prudentes do que DeWitt sobre a confirmação que este sereno e introspectivo Jesus teve como modelo uma pessoa judia real. Larry Silver, por exemplo, acredita que ainda não se chegou à conclusão se Rembrandt necessitava de ter um modelo judeu na sua frente para pintar um Jesus com aparência judaica. "os rostos de Rembrandt parecem tão reais que você imediatamente é compelido para dizer, isso é um retrato", ele me disse por telefone. "Se alguém lhe pedisse para pintar um retrato de qualquer figura da fantasia, você provavelmente iria desenhar a Branca de Neve. Você pode ter uma imagem na sua cabeça sem ter um modelo real.

"Em qualquer caso o Jesus judeu de Rembrandt, se é o que ele era, foi um sentimento à frente de seu tempo – Um Jesus semita não foi percebido de imediato, ou talvez nem depois. Séculos mais tarde, porém, ele reapareceu no trabalho de alguns dos primeiros artistas judeus proeminentes que despontaram no cenário internacional, figuras como Maurycy Gottlieb e Max Liebermann.

Num livro que está prestes a ser publicado ‘Jewish Art: A Modern History’, Silver e sua co-autora Samantha Baskind tecem crônicas de como estes artistas, juntamente com outros judeus que se integraram no mundo da arte no final do século 19, emulavam Rembrandt que eles achavam como sendo um modelo judaico. 
Efraim Moses Lilien desenhou cenas do Velho Testamento; Hermann Struck pintou cabeças de velhos judeus que se assemelham as dos profetas de Rembrandt, e as pinturas mal vestidas de Jozef Israëls parecem que foram pinçadas, como as de Rembrandt, do bairro judaico de Amsterdam. Estes descendentes dos "judeus" de Rembrandt não nos ajudam muito para determinar exatamente o que nele era considerado como sendo cripto-judaico, é claro. Mas eles confirmam que a arte judaica moderna é cripto-Rembrandt.

Robin Cembalest é editora executiva da ARTnews. Ela bloga no letmypeopleshow.com.

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