O líder da Revolta da Chibata de 1910, João Cândido, nasceu em 24 de junho de 1880, na Encruzilhada do Sul (RS) e morreu em 6 de dezembro de 1969. Nestes 130 anos seu nascimento, o Brasil ainda não conhece a história e sua luta.
Os documentos sobre a vida e história de João Cândido não puderam ser acessados nem por ele nem pelos filhos, mesmo após sua “anistia” concedida no ano passado, 98 anos após o levante. Publicada Em 24 de julho de 2008, 39 anos depois da morte de João Cândido Felisberto, a Lei 11.756 que “anistiou” o líder da Revolta da Chibata e a seus companheiros, foi vetada pelo governo Lula na parte em que determinava a reintegração de João Cândido à Marinha do Brasil e imporia à União o pagamento dos soldos atrasados e das promoções que lhe seriam devidas, bem como na concessão de aposentadoria e pensão aos seus dependentes. João Cândido morreu na completa pobreza, como estivador e vendedor de peixes na Praça XV do Rio de Janeiro, sem patente nem aposentadoria, sendo perseguido até o fim de seus dias.
A Revolta
Em 15 de novembro de 1910 tomara posse no governo federal, cuja sede era então a cidade do Rio de Janeiro, que contava com pouco mais de um milhão de habitantes, o marechal Hermes da Fonseca, substituindo Nilo Peçanha após uma intensa campanha eleitoral, à época denominada de "civilista", encabeçada por Rui Barbosa, contra o candidato reacionário. A vitória de Hermes da Fonseca representou o predomínio dos setores mais reacionários sobre o Estado contra o candidato democrático das classes médias e de setores da burguesia.
As forças armadas burguesas apóiam-se sempre em uma disciplina burocrática. No Brasil da República Velha, mais ainda do que hoje, a Marinha constituía-se na força mais reacionária e mais aristocrática do que o Exército, dominado pela tradicional camarilha reacionária, mas ainda impregnado de toda a luta democrática que ia desde a Abolição até a proclamação da República e os primeiros anos dos governos republicanos.
Seguindo um ilegal costume da oficialidade da Marinha e do Batalhão Naval, no dia 22 de novembro, o marinheiro Marcelino Rodrigues de Menezes, foi condenado a 250 chibatadas.
O castigo da chibatada havia sido abolido na Armada pelo terceiro decreto do primeiro governo republicano do País, em 16 de novembro de 1890, mas continuava em vigor na prática, a critério dos oficiais. Centenas de marujos, de expressiva maioria negra, continuavam tendo seus corpos retalhados, como nos tempos da escravidão pelos oficiais brancos.
Conforme o relato do 2º sargento Eurico Fogo, uma das vítimas da chibata, publicado no livro de Edmar Morel “A revolta da Chibata”, "o bandido (carrasco que aplicava a pena, NR) apanhava uma corda mediana, de linho, atravessava-a de pequenas agulhas de aço, das mais resistentes e, para inchar a corda, punha-a de molho com o fim de aparecer apenas as pontas das agulhas. A guarnição formava e vinha o marinheiro faltoso algemado. O comandante, depois do toque de silêncio, lia a proclamação. Tiravam as algemas do infeliz e o suspendiam nu da cintura para cima no pé de carneiro, ferro que se prendia ao balaustrada do navio. E, então, Alipío, mestre do trágico cerimonial, começava a aplicar os golpes. O sangue escorria. O paciente gemia, suplicava, mas o facínora prosseguia carniceiramente o seu mister degradante. Os tambores batiam com furor, sufocavam os gritos (...) A marinhada, possuída de repulsa e de profunda indignação concentrada, murmurava: - Isto vai acabar!".
O marinheiro Marcelino recebeu as 250 chibatas assistidas por toda a tripulação do navio. Mesmo depois de desmaiado o flagelo continuou.
Naquela mesma noite, às 22 horas, a bordo do Minas Gerais, primeiro e, depois do São Paulo e do cruzador Bahia, centenas de marinheiros se amotinaram, destituíram seus comandantes e toda a oficialidade. Tudo conforme haviam arquitetado os líderes da revolta, à frente dos quais se encontrava João Cândido, marinheiro negro do Minas Gerais. Segundo o próprio: “o resto foi rotina de um navio em guerra".
Governo refém
O governo ficou prostrado diante do fato de os marinheiros negros terem tomado à força o comando dos maiores navios de guerra do Brasil da época. Reunido o alto comando militar, bem como as principais autoridades e lideranças do governo e do congresso, todos tentavam em vão encontrar uma saída que não fosse a rendição diante da revolta. O regime político burguês e latifundiário, como sempre somente começava a se mexer diante da ação extrema das camadas subalternas da população.
Informados sobre as tentativas de contra ataque do governo, os marinheiros não se abateram e reafirmaram suas ameaças, por meio de novas mensagens para as autoridades onde diziam: “não queremos fazer mal a ninguém, porém, não queremos mais a chibata”, pediam o apoio da população – “ao povo brasileiro os marinheiros pedem que olhem sua causa com simpatia que merecem, pois nunca foi seu intuito tentar contra as vidas da população laboriosa do Rio de Janeiro” - mas deixam claro sua disposição de ir até às últimas conseqüências – “...quando atacados ou de todo perdidos, os marinheiros agiram em sua defesa” - e exigem providências – “... esperam, entretanto que o governo da República se resolva a agir com humanidade e justiça”.
A vitória dos marinheiros
O governo - incluindo os setores mais direitistas - recua. Não há condições para dominar e derrotar o motim. Os revoltosos dispõem de enorme poder bélico (de fato, capaz de arrasar a cidade antes que sejam dominados) e o governo não dispõe de apoio político popular para ações mais ousadas devido à crise do regime. As eleições haviam dividido os partidos das oligarquias rurais e da burguesia e da pequena burguesia das cidades, bem como os militares, e a revolta provocava pânico na população (depois das ameaças de resistência) e obtinha uma crescente simpatia, diante da enorme capacidade e organização demonstrada pelos marinheiros, não só em assumir o comando da esquadra, mas em mantê-la em funcionamento em perfeitas condições.
Nas negociações entre os revoltosos e os representantes do governo e parlamentares, os últimos prometem apenas fazer a lei que já existia proibindo a chibata, pôr em discussão as demais melhorias reivindicadas pelos marinheiros e assegurar-lhes a anistia contra a “insubordinação” e mortes de oficiais ocorridas.
Após intensa discussão no Congresso Nacional, o projeto é submetido a votação, usando-se inclusive da fraude de anunciar que os marinheiros haviam suspendido a revolta declarando-se arrependidos e suplicando a anistia. Tudo isso, como explica Edmar Morel, "foi forjado para facilitar a tarefa do Senado Federal que precisava de uma saída honrosa". Três horas após ser aprovado no Senado, o projeto foi aprovado por larga maioria na Câmara dos Deputados, demonstrando uma vez mais como uma verdadeira pressão sobre o parlamento (não os lobbies que a burocracia sindical e a esquerda petista apreciam tanto) é capaz de fazer para superar a proverbial lerdeza e má-vontade dos deputados e senadores em atender as reivindicações populares!
O Comitê Geral, dirigido por João Cândido, diante da aprovação da anistia e do fim da chibata, resolve em 25 de novembro terminar a revolta e depor as armas dos mais de três mil marujos sob seu comando, apesar de manifestações em contrário, como o marinheiro José Alves, que era contra o fim da revolta. A oligarquia da República Velha e a burguesia haviam capitulado diante da exigência armada dos marinheiros.
A posição mais recuada de João Cândido triunfa, e no dia 26 as embarcações começam a atracar no cais e o comando das embarcações é novamente entregue ao Ministério da Marinha.
Um exemplo de luta
Superando, por força das condições miseráveis que lhes eram impostas, o profundo atraso cultural em que viviam os milhares de marinheiros liderados pelo negro João Cândido, então com trinta anos, foram os protagonistas de um dos mais extraordinários episódios, dentre muitos outros dos quais a história do Brasil está repleta, que exemplificam a coragem, a determinação e a capacidade das massas exploradas do país, em particular do seu proletariado, de se insurgirem contra a exploração, a opressão e a tirania dos exploradores e seus governos.
Os limites naturais, estabelecidos pela inexperiência política de João Cândido, bem como de toda a nascente classe operária brasileira não lhe tira em nada o mérito desta luta heróica. A falta de experiência levou-os a conferir crédito às promessas dos setores da oligarquia no governo, bem como à farsa da anistia realizada no Congresso, que não impediu que as forças militares pusessem em marcha o processo de perseguição e vingança que consumiu a vida de centenas de marinheiros de forma cruel e sanguinária.
João Cândido, e todos e seus comandados em revolta são um exemplo heróico de luta que desmente, como tantos outros o mito do caráter submisso e acomodado, que a burguesia e seus teóricos pequenos burgueses, que se propagam como ervas daninhas no movimento operário e popular, tentam atribuir ao povo brasileiro.
João Cândido e a Revolta da Chibata é um exemplo para a classe operária e todos os explorados, em geral, e para os trabalhadores e a juventude negra, em particular, de quais são os métodos e o caminho para se conseguir a emancipação diante da opressão capitalista: a organização independente dos explorados, a luta com seus próprios métodos e instrumentos de luta por suas reivindicações e mesmo a sua derrota após a vitória ilustram a necessidade de liquidar com o governo e o regime político da burguesia para ver essas reivindicações fundamentais atendidas.
(Fonte: Causa Operária On-Line)
Se o marinheiro João Cândido fosse nordestino ao invés de gaúcho, o preconceituoso Lula (que chama Pelotas de "pólo exportador de viados") teria encarado a questão da reintegração e das promoções ao marinheiro popularmente conhecido como Almirante Negro como mais uma forma de se apoiar no marketing que faz para explorar até hoje a indústria da seca. A propósito: vale destacar o revanchismo dos petistas em geral contra os militares.
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