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2.4.10

Pessach


O Mistério do Guefilte Fish no Seder

Conta-se no Talmud (Horaiot 10a) que Rabi Gamliel e Rabi Iehoshua estavam navegando juntos. Gamliel levou para a viagem a quantidade exata de pão conforme o tempo previsto de viagem, mas Iehoshua levou consigo pão e uma porção extra de farinha. A viagem durou mais do que o esperado, a provisão de pão de Rabi Gamliel acabou e o que manteve os dois sábios foi a farinha extra de Rabi Iehoshua. Gamliel perguntou a Iehoshua: “Como você sabia que teríamos um contratempo?” Iehoshua respondeu: “Eu verifiquei que há um astro no céu que aparece a cada setenta anos, e que se aparecesse agora, poderia nos desviar da rota.” Surpreso, Gamliel perguntou novamente: “Você é tão sábio, por que precisava subir neste navio para obter seu sustento?” Rabi Iehoshua respondeu: “Antes que fale de mim, conheça dois alunos meus que estão em terra firme, Rabi Elazar e Rabi Iochanan. Eles sabem dimensionar exatamente quantas gotas existem no mar, mas não têm o que comer e nem roupas para vestir.”

Os rabinos do Talmud viveram cerca de mil anos depois que o Povo de Israel entrou no meio do mar, por terra seca, naquele dia que separou os tempos de escravidão do início dos tempos de liberdade. Rabi Gamliel levou para sua viagem a mesma quantidade de mantimentos que levaria para qualquer viagem. Rabi Iehoshua, por sua vez, entrou no mar prevenido: conforme a historia, levou em conta a configuração do céu, tão importante para todo navegador quanto o mar, como nos diz Fernando Pessoa: “Navegar é preciso, viver não é preciso”.

Muito se discute, a respeito da saída do Egito, sobre os motivos pelos quais os israelitas foram ordenados por Deus a levar tanto ouro, tanto gado, tanto tudo para a viagem. Afinal, era muito mais do que o necessário para uns poucos meses de caminhada pelo mar de areias. Talvez eles não soubessem, mas Deus sabia que algo poderia desviá-los da travessia comum. Era preciso mais do que matsot feitas às pressas na saída do Egito se quisessem levar a maior das aventuras de Israel adiante, aquela que faria de nós o Povo de Israel.

Na continuação do relato do Talmud, Rabi Gamliel lembra-se que quando estavam para subir no navio para trabalhar, ele convidou os alunos de Rabi Iehoshua a virem com eles, mas eles não vieram. De nada adianta saber dimensionar quantas gotas de água há no mar se não houver disposição de entrar no mar.
Talvez este seja “o mistério do Guefilte Fish no Seder de Pessach”. A mesa do seder é o nosso navio. Ao nos sentarmos nela, entramos no mar, em terra seca e segura, em direção à liberdade, exatamente como fizeram nossos antepassados quando cruzaram o Mar Vermelho. O peixe não nasceu em embalagens plásticas nos supermercados. Precisamos trabalhar para comprá-lo. Mais do que isso, é preciso entrar em ação para recolhê-lo das águas. De nada adianta se dedicar obsessivamente aos detalhes do que significa cada gota do mar se não tivermos a coragem de entrar no mar para pescar. Às vezes a escravidão que precisa ser deixada para trás é a escravidão das teorias, do planejamento excessivo, das ideias brilhantes que ocupam tanto espaço no papel ou na memória do computador.

Nossos sábios nos ensinaram que devemos nos dedicar à Torá, mas também devemos aprender a nadar. Quando a Hagadá de Pessach nos diz: “Quem tem fome, venha e sente-se conosco”, ela espera que cada um de nós cruze o mar e vá em direção a quem tem fome de comida, fome de conhecimento, fome de religiosidade, fome de idishkeit, fome de viver judaicamente, e convide-os todos para se juntarem a nós, ou em nossa metáfora, que subam para dentro do navio e cruzem o mar conosco.

Navegar é preciso, arregaçar as calças e saias e entrar no mar é preciso – mesmo que a água às vezes bata no nariz − se quisermos em mais sete semanas nos encontrar no monte Sinai para receber novas instruções, se desejarmos renovar o nosso pacto com Deus quando Ele novamente nos entregar a Torá.

Chag Pessach Sameach!
Uri Lam, de Jerusalem

(Fonte: Congregação Israelita Paulista)

Um comentário:

  1. Caro David, este comentário foi publicado originalmente no site da Congregação Israelita Paulista, www.cip.org.br. Peço a gentileza de sempre citar esta fonte. Obrigado.

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