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18.8.11

Heróis Esquecidos do Holocausto

Reconhecendo tardiamente heróis do Holocausto
Por Isabel Kershner

HORASHIM, Israel - Quando 20 pessoas se reuniram para uma cerimônia modesta no cemitério tranquilo deste kibutz na parte central de Israel no mês passado, a intimidade e a dignidade silenciosa do evento não correspondiam às forças históricas que estavam por trás dela.

A ocasião era o translado dos restos mortais de Samuel Merlin, um dos fundadores de um grupo pequeno, porém atrevido de sionistas militantes e ativistas que atuaram no resgate de vitimas do Holocausto, que sacudiram a América e desafiaram as autoridades judaicas na década de 1940, mas que, porém até recentemente tinham sido amplamente excluídos da história oficial do Holocausto.

Os ativistas formaram o grupo conhecido por Bergson, que os historiadores modernos creditam e atribuem um papel fundamental no resgate de centenas de milhares de judeus europeus. Mas o grupo foi rejeitado pelo establishment judaico que se sentiu desafiado, tanto nos Estados Unidos como em Israel, por suas táticas militantes e pelo sionismo de direita que colidiram com as correntes mais influentes do sionismo. A simples menção deste grupo desperta paixões antigas e um doloroso questionamento sobre o que a América fez ou deixou de fazer para salvarem os judeus europeus, e na medida em que cismas dentro das fileiras judaicas dificultaram ações mais eficazes.

Mais recentemente proeminentes historiadores começaram a reconhecer as realizações do grupo. No dia 17 de julho em Jerusalém no Yad Vashem, que é a autoridade oficial da memória do Holocausto e que havia ignorado o grupo Bergson em suas mostras e exposições, realizou um simpósio sobre o mesmo pela primeira vez.
Esther Rafaeli, de 85 anos, viúva de um dos membros do Grupo Bergson, no túmulo de Samuel Merlin.


Para os participantes do translado dos restos mortais do Sr. Merlin que ocorreu alguns dias antes, que incluiu algumas viúvas e filhos dos membros do grupo, o evento foi o início simbólico de um processo de reconciliação.

"Este é um momento de cura para os judeus americanos e para os judeus de Israel" disse em tom grave Rafael Medoff, diretor do Instituto David S. Wyman Para Estudos Sobre o Holocausto em Washington, logo após recitar o Kaddish, a oração judaica para os mortos, sobre o túmulo do Sr. Merlin. O instituto, que tem sido instrumental na promoção do legado do grupo Bergson, co-patrocinou a conferência no Yad Vashem.
 
O grupo Bergson foi formado em 1940 quando cerca de 10 jovens judeus da Palestina e da Europa vieram para os Estados Unidos para angariarem fundos e promoverem o Irgun, a milícia de direita sionista. O grupo foi organizado pelo Hillel Kook, um líder carismático do Irgun que assumiu o pseudônimo de Peter H. Bergson. O Sr. Merlin era o seu braço direito.

O grupo começou arrecadando dinheiro para a imigração judaica ilegal para o que então era o Mandato Britânico da Palestina e promovendo a idéia de um exército composto de judeus apátridas e Palestinos. Mas a missão mudou abruptamente em novembro de 1942 após o surgimento de relatos que dois milhões de judeus europeus foram aniquilados pelos nazistas. Da mesma maneira que outros relatórios desses assassinatos em massa de judeus, as notícias mal apareciam nas páginas internas dos principais jornais americanos como o The New York Times e o The Washington Post.

Os Bergsonitas ficaram horrorizados com a indiferença da administração Roosevelt e da passividade das lideranças judaicas, que apoiavam firmemente o governo americano e aceitavam amplamente o argumento de que o objetivo primário americano era militar para ganharem a guerra, não para salvarem os judeus europeus. O grupo embarcou em uma campanha provocativa para a divulgação do genocídio e assim como fazer lobby no Congresso para que apoiassem o resgate de judeus, andando nos corredores do Capitólio e batendo nas portas, exibindo um grau de ousadia (chutzpah) que causou desconforto no establishment judaico pró-Roosevelt.

O grupo publicou uma série de inflamados anúncios de página inteira no The New York Times e em outros jornais importantes destacando os assassinatos em massa, e na parte de baixo do anúncio solicitavam doações para poderem pagar o próximo. Com a ajuda de simpatizantes célebres como o diretor e roteirista Ben Hecht, o empresário Billy Rose e o compositor Kurt Weill eles encenaram uma apresentação teatral extravagante com o nome de "We Will Never Die (Nunca Morreremos)" que lotou o Madison Square Garden por duas vezes antes que o show fosse para outras cidades. Em outubro de 1943 o grupo Bergson organizou uma marcha de 400 rabinos ortodoxos para a Casa Branca, a maioria deles em trajes negros tradicionais, um espetáculo do tipo que ainda nunca tinha sido visto em Washington. Finalmente em janeiro de 1944, sob a forte pressão do secretário do Tesouro Henry Morgenthau Jr. o presidente Franklin D. Roosevelt criou por ordem executiva o Conselho de Refugiados de Guerra, que resgatou cerca de 200 mil judeus.

 

"Sem Hillel Kook e o grupo Bergson" disse David S. Wyman que é o autor do livro "Abandonment of the Jews: America and the Holocaust 1941-1945 (O Abandono dos Judeus: os Estados Unidos e o Holocausto 1941-1945, em tradução livre)", que foi o primeiro que reavaliou o papel dos Bergsonitas e "sem os quais não haveria o Conselho de Refugiados de Guerra". Contudo as lideranças judaicas americanas na época combateram os recém-chegados, dizendo que suas táticas levariam apenas ao aumento do anti-semitismo. O Rabino Stephen Wise, o principal representante da comunidade judaica escreveu para um colega em 1944 que os Bergsonitas "são um desastre para a causa sionista e para o povo judeu". Os líderes judeus norte-americanos da época aparentemente tinham receio de provocarem agitações (= causarem problemas) e de perderem as suas próprias proeminências.

"Esta era uma época em que movimentos de ações civis militantes não eram costumeiros, e certamente não por judeus" afirmou Charley Levine, um especialista em relações públicas e de comunicações internacionais baseado em Israel que tem estudado o grupo Bérgson; "Isso foi antes do Vietnã".

O grupo Bergson também foi colocado no ostracismo pelos líderes de Israel após a sua fundação em maio de 1948. Um confronto ocorreu logo em seguida em junho, quando o grupo enviou o navio chamado Altalena para Israel carregado com armas para o Irgun, violando um acordo com o novo Estado independente para que parassem com as compras de armas.

David Ben-Gurion, o primeiro primeiro-ministro israelense ordenou às suas tropas para dispararem contra o navio. Dezesseis membros do Irgun e três soldados foram mortos no confronto. O Sr. Merlin, que estava a bordo, foi baleado no pé.


Merlin e Kook passaram a servir como membros do primeiro Parlamento de Israel, mas os Bergsonitas logo tiveram uma desavença ideológica com o seu próprio líder político, Menachem Begin, o líder do Irgun que mais tarde se tornaria primeiro-ministro de Israel. Eles permaneceram em confronto com o Mapai de esquerda e com os líderes trabalhistas que dominaram o estado nos seus primeiros 30 anos.

A dissensão ocasionou que o grupo Bergson fosse apagado das primeiras histórias sobre o Holocausto. "Meu pai e o seu grupo foram contra a corrente dos que escreviam as narrativas da guerra" disse a filha do Sr. Kook, Rebecca Kook, que é agora uma cientista política da Universidade Ben Gurion do Negev, em Israel.

Mas com a perspectiva do tempo e a abertura de outros arquivos do Holocausto, incluindo os do Sr. Merlin, o grupo Bergson começou a ser reformulado na história judaica. Após anos de campanha pelo Sr. Medoff e outros, o ‘United States Holocaust Memorial Museum’ em Washington incluiu em 2008 uma pequena exposição sobre o grupo.

Um relato detalhado do Sr. Merlin sobre a campanha de resgate de judeus foi publicado postumamente no mês passado. O Sr. Merlin morreu nos Estados Unidos em 1996. No prefácio do livro Seymour D. Reich, um líder veterano das maiores organizações judaicas escreveu: "Chegou a hora de reconhecermos, de forma inequívoca, que o Rabino Wise e seus colegas estavam errados".

Em vez de atacarem o Sr. Bergson, deveriam ter ficado focados na missão de resgate, ele escreveu e acrescentando: "Essa era a sua obrigação, e eles falharam".

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