Depois de alguns meses tendo a honra de escrever nesse espaço, finalmente aconteceu o que ocorre com todos os cronistas e que já havia me acontecido em outros espaços que ocupo, como a coluna semanal em O Globo: não saber sobre o que escrever. E, num espaço como esse, judaico, encher linguiça não seria a coisa mais kosher do mundo. A não ser que fosse linguiça de boi. Um boi supervisionado pelo rabino. Estilete na jugular, golpe rápido e preciso, para não liberar a toxina do medo da morte, medo que nos persegue nesse mundo, pois nesse mundo a morte é a única coisa certa, como diz o chavão. A vida, admita-se, é uma constante encheção de linguiça, de porco para uns, de boi supervisionado para outros. A encheção está em toda parte: as palavras com que preenchemos nossas relações com os outros ou conosco, em pensamento; o dinheiro com que tentamos encher nossas contas, ora para sobreviver, ora para desperdiçar; a comida com que enchemos nosso bucho; a nossa infinita capacidade de encher o saco; e o prazer que cada um busca da maneira que lhe convém, através do que é mundano ou do que é divino. Às vezes fica bom. Mais raramente, ótimo (como se diz, o ótimo é o inimigo do bom: se a gente persegue o ótimo, o bom se transmuta em ruim; se a gente não persegue nada, o bom é uma delícia). Não à toa, Deus, enquanto ia fazendo dia, noite, mar, terra, plantas, bichos, homem, mulher, ia dizendo, ou melhor, vendo, que o que fazia "era bom", e não "ótimo". Deus sabia que a Obra não ia resultar em Paraíso... e, como diz o outro, o otimista é um desinformado. Assim enchendo a Rua Judaica de sabe-se-lá que dizeres, vou compondo minha linguiça semanal, esperando que, na mistura, algo de bom se salve.
(Fonte: Notícias da Rua Judaica)
"Encher linguiça pode até ser Kosher. Não saber se expressar, pode não ser Kosher."
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