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24.4.10

Acharê Mot/ Kedoshim

Existe vida após a morte?
 
Esta é uma questão que fascina e perturba a humanidade desde que o ser humano se conhece por gente. Os cinemas brasileiros lotaram para lembrar Chico Xavier, o maior dos espíritas brasileiros, que dizia falar com os mortos. Mas quando a vida era um paraíso, para Adão e Eva esta não era uma preocupação, pois a vida parecia eterna. Então veio a consciência da própria nudez, dos limites e da fragilidade do corpo. Corpo que precisa ter elasticidade para se abrir ao nascimento de outro ser e forte para arar a terra.

Perceber os limites do próprio corpo também nos traz a consciência de que o corpo envelhece, perde elasticidade, perde força muscular, a pele fica menos brilhante e macia. Também os reflexos dos sentidos se tornam menos precisos, para alguns a memória fraqueja e o raciocínio se torna menos ágil.

O escritor brasileiro Fernando Sabino escreveu um livro em que relata o Encontro Marcado com a morte. Na tradição judaica, conta-se que o Rei Salomão viveu alguns anos a mais graças à sua habilidade em enganar o anjo da morte. Conta-se também que um certo rabino começou a chorar de soluçar ao perceber que seu encontro com a morte estava próximo. Seus alunos ficaram muito incomodados e perguntaram: “Rabino, por que você chora tanto? Por que tanto sofrimento? Afinal, você foi um homem justo e bondoso, somente coisas boas o aguardam no mundo vindouro!” E o rabino respondeu: “Não choro porque a morte se aproxima, mas choro porque só neste mundo posso cumprir mitsvot, e não terei mais como cumpri-las depois que morrer”.

Embora ao longo de boa parte da tradição judaica se fale da morte e da vida após a morte no mundo vindouro – o Olam Habá – a verdade na maioria dos casos é que o tema perturba a muitos de nós porque lá no fundo, se não sabemos nem como será o amanhã, imagine ter ideia de como será após a morte. E se não houver nada depois da morte, se não houver amanhã? Oi vei, é perturbador.

Entre as diversas formas de organizar a leitura semanal da Torá, na ordem que seguimos a parashá Acharê Mot (literalmente Após a Morte) vem antes da parashá Kedoshim, Santos. A primeira cita o que aconteceu após a morte de Nadav e Avihu, dois dos filhos de Aharon, que morreram após oferecerem um “fogo estranho” a Deus. Na última lemos que Deus ordena a Moshé que fale ao povo: “Diga a eles: Vocês serão santos, porque Eu, o Eterno seu Deus, Sou Santo”.

Os mais afoitos poderiam imaginar que, após a morte, todo mundo vira santo. Depois que se foi, ficam as boas ações, os elogios, as obras de caridade que ninguém sabia que ele ou ela fazia, todo mundo que foi ajudado, as palavras de estímulo, os momentos de heroísmo e de bondade irrefutáveis, dignos do mais humilde dos seres. Ninguém roubou, ninguém enganou, ninguém falou mal dos outros. Morreu, virou santo. Mas suponho que não é disso que a Torá esteja falando.

O primeiríssimo ponto a cumprir para ser santo é: a pessoa deve respeitar a mãe e o pai, e só depois vem preservar os dias de Shabat. Conta um midrash que os filhos de Aharon não morreram por oferecer incenso a Deus, uma prática religiosa supostamente estranha à de Israel. Nadav e Avihu teriam morrido por desrespeitarem seu pai, por quererem vê-lo morto e tomarem seu lugar. Segundo o midrash, Deus percebeu e os advertiu: “Vocês querem enterrar o pai de vocês? Veremos quem enterrará quem”. Reverenciar, respeitar, honrar a mãe e o pai: primeiro mandamento para ser santo. Não à toa, dizem alguns, o mandamento de honrar pai e mãe é representado nas Tábuas da Lei na mesma altura que o mandamento de honrar a Deus.

Não à toa, na parashá Kedoshim, quando Deus nos ordena que sejamos santos, encontramos uma das mais belas mitsvot em toda a Torá: “Veahavtá lereachá camôcha”, ame o teu semelhante como a ti mesmo.

Se há vida após a morte eu não tenho ideia. Mas se houver, esta será santificada somente se na vida antes da morte formos capazes de amar cada ser humano com o mesmo amor com que somos capazes de amar a nós mesmos.



Uri Lam (Texto) e Rosália Lerner (Aquarela) - Fonte: Congregação Israelita Paulista

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