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2.5.10

Emor

A preocupação pela ética é algo novo no judaísmo? Apenas o movimento liberal e os rabinos liberais procuram ensinamentos éticos e atuais nas fontes tradicionais? Ou sempre foi assim? A pergunta é especialmente importante nestes dias nos quais fica claro que a ortodoxia manda principalmente cumprir os rituais e nós, liberais, enfatizamos o porquê de cumpri-los. Claro que os ortodoxos também gostam de bons significados e os liberais não abrem mão da ação tradicional das mitsvot. Mas estamos diante de uma diferença clara de ênfase e nos perguntamos se o foco liberal é ou não uma novidade; se por acaso sempre foi assim - e se ficar preso ao mero ritual externo é que é a reforma da ortodoxia.

Na parashá da semana aparecem muitas regras rituais. Uma delas é a proibição de sacrificar no mesmo dia um filho e um pai ou mãe de carneiro. Dentre as múltiplas explicações que foram dadas a este tipo de ritual como cashrut, gostaria de assinalar três:

1) O rabino Kook, líder da ortodoxia sionista, escreveu que uma vez que a natureza humana infelizmente contem violência e agressão, o mais urgente é evitá-la entre seres humanos. Portanto, foi permitido o consumo de carne animal e foram dadas regras para sermos cuidadosos com os animais enquanto nos ocupamos do objetivo principal e urgente: a pacificação entre os seres humanos. Assim que atingirmos esse ideal, será o tempo de cuidar de não agredir os animais.

2) Nachmânides, rabino místico da Idade Média assim como o rabino Bechor Schor, disseram que o foco está em educar as pessoas através do tratamento aos animais. Tomamos o cuidado de não matar os animais com crueldade justamente para aprendermos a ser cuidadosos com as pessoas do mesmo jeito. Ou seja: não é que sublimamos nossa agressão destinada em princípio aos homens através de uma agressão controlada e diminuída para com os animais, mas ao contrário, as regras nos mandam cuidar dos animais para aprendermos a cuidar dos homens.

3) Maimônides, rabino racionalista da Idade Média junto com o Rashbam (rabino Shmuel ben Meir), comentarista talmúdico da mesma época, vêem na proibição mencionada uma medida de humanidade para com os animais em si mesmos. O objetivo não é adiar a piedade com os animais para privilegiar os deveres entre os seres humanos, nem aprender do tratamento dos animais sobre como deve ser nossa ética e compaixão para com os homens. As regras da Torá vieram para que sejamos humanitários também com os animais por eles mesmos, porque eles merecem, porque segundo eles não existem diferenças nos sentimentos mais básicos e ao mesmo sublimes de dor de uma mãe por seus filhos.

Fica muito claro que a preocupação que vai muito além da própria prática do ritual é algo que percorre os séculos de judaísmo e até identifica a forma dos judeus de lidar com sua tradição. Não se trata de cumprir com ações por que está escrito, nem de demonstrar apenas temor a Deus. Trata-se de melhorar o mundo e o homem através do SIGNIFICADO das mitsvot.

Mais ainda: trata-se de expressar os valores, as idéias, as esperanças e até as dores e frustrações mais profundas através das tradições.

Esta proibição comentada aqui, de não sacrificar um animal e sua mãe no mesmo momento, foi usada no midrash há cerca de dois mil anos, muito antes dos movimentos atuais e dos comentaristas mencionados, para reclamar de Deus diante de tragédias inexplicáveis. O midrash Bereshit Raba fala que Iaacov usou esta proibição diante de Deus quando pediu ajuda para que Essav não matasse seus filhos e esposas. O midrash Echá Raba atribui a Moshé o uso deste versículo para reclamar de Deus pela destruição de Jerusalém e pela morte trágica de milhares de mães e filhos juntos enquanto Deus, que ordenou esta proibição, não o impediu.

Em todas as épocas os judeus acreditaram que o significado dos preceitos ia muito além da prática simbólica dos rituais, e que apenas através da consciência desses significados era possível melhorar a si mesmo e melhorar o mundo.

Ao fazermos isso em nossas prédicas e ensinamentos, estamos resgatando o espírito mais autêntico e mais tradicional do nosso judaísmo, além de fazermos o que é mais urgente.

Shabat shalom
Rabino Ruben Sternschein


Rabino Ruben Sternschein (Texto) e Rosália Lerner (Aquarela) - Fonte: Congregação Israelita Paulista

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