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28.2.10

Tetsavê

A Torá da Vida manda destruir e matar?!

A Torá, que manda escolher pela vida de todos, ajudar a viver melhor, não matar, evitar o sofrimento de tudo o que vive, manda apagar um povo inteiro, o povo de Amalek.

Como é possível?

Infelizmente existiram e existem ainda hoje leituras fundamentalistas de nossos textos, que não procuram o espírito sublime existente além do pé da letra e ficam ensinando, ao lado da santidade da vida, mensagens tão terríveis como esta.

Nosso ponto de partida é totalmente contrário. Nós assumimos que a Torá não pode mandar literalmente destruir, apagar um povo inteiro e matar indiscriminadamente. Essa não pode ser a nossa Torá, esse texto não pode ser um mandado divino. Mesmo que possamos acreditar que a razão humana não tenha todas as respostas e que a percepção humana da ética não seja o único parâmetro do bem, mandar apagar um povo inteiro nos soa totalmente alheio ao conceito da Divindade. Por isso, por uma profunda fé na Torá e na sua ética é que não apenas nos permitimos interpretar de outro jeito, mas acreditamos que essa deve ser a verdade escondida por trás do texto. Longe de toda manipulação, ao interpretarmos contrariamente ao sentido literal e fundamentalista, acreditamos estar cumprindo com o nosso dever de procurar a verdade divina e religiosa da Torá. Acreditamos também, deste modo, que continuamos com fidelidade a tradição de nossos sábios, que em muitos casos fizeram o mesmo, pela mesma razão e do mesmo jeito.

Nossos sábios acrescentavam relatos ao texto original. Não apenas o interpretavam com elasticidade, mas também lhe atribuíam informação que não aparece nele. Assim, quando inexplicavelmente Abrahão aceita, em silêncio, sacrificar seu filho e caminhar com ele silenciosamente até o altar de sua suposta morte, os sábios estabeleceram alguns diálogos que se produziram entre pai e filho, como esperavam de uma atitude humana diante de semelhante acontecimento. Só que esses diálogos não aparecem na Torá. Quando Caim matou Abel e a Torá não conta mais nada sobre o encontro humano entre os dois irmãos, o comentário dos sábios completa o texto com vários diálogos inexistentes na Torá. Quando Deus decide apagar o mundo através de um dilúvio e a Torá apenas detalha que a corrupção subiu até o céu, os sábios acrescentam todos os detalhes dessa corrupção, porque se não fosse assim a crueldade do dilúvio invalidaria a sua condição divina.
Os sábios disseram ao longo dos séculos: “Não é possível que um Deus, o nosso Deus, o Deus de toda a Humanidade, simplesmente erre, conclua que a corrupção foi demais e a apague da face da terra com um dilúvio. Esse seria um Deus cruel, que erra, que não tem paciência, sem perdão, sem compaixão”. A culpa humana deve ter sido muito maior do que parece e as possibilidades de correção devem ter existido. Caim e Abel devem ter tido algum diálogo humano antes da tragédia. Abrahão e Isaac mais ainda.

Quando a própria Torá reclama pela vida, a sensibilidade contradiz a si mesma se não a interpretamos para além do pé da letra. A própria Torá exige um diálogo criativo com o leitor que envolva a sua ética e a sua história pessoal.
Por isso entendemos que o texto que se acrescenta à parashá da semana, neste Shabat, por ser o Shabat anterior a Purim, que convoca a apagar a memória de Amalek, deve ser interpretado para além do sentido literal.

Amalek atacou o povo de Israel por trás e mais, atacou os mais fracos, as mulheres, as crianças, os idosos e os doentes. Assim, Amalek representa não apenas a traição, mas principalmente a atitude de procurar a fraqueza do próximo não para ajudar, mas para bater. Lembrar isso e ao mesmo tempo apagá-lo da terra significa lutar contra essa atitude em todas as circunstâncias: em casa, na família, nos negócios, na comunidade, na sociedade. Apagar Amalek em termos positivos significa buscar sempre o bem do próximo, o lado forte e positivo e, ao descobrir sua fraqueza, contribuir para evitá-la. Ao invés de bater nela, abraçá-la a e ajudar a transformá-la.
Shabat shalom
Rabino Ruben Sternschein

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