Uma das festividades mais ricas e simbólicas do calendário
judaico acontece na celebração do Seder de Pessach. É
quando comemoramos, ao redor de uma mesa farta e em companhia da
família estendida e, por vezes, de vários amigos, a passagem
da escravidão para a liberdade e a nossa constituição
como comunidade no deserto.
É uma destas
ocasiões que nos permite refletir sobre liberdades pessoais, sobre
sociedade e sobre como tratar o outro, pois a sabedoria judaica nos insta a
que recordemos que nós já fomos o estrangeiro na casa do
outro.
Como cientista social, fico imaginando como devemos
fazer para não nos esquecermos desta nossa traumática
experiência e para que tentemos olhar ao nosso redor e ver se
não estamos, por acaso, sendo hoje os egípcios de outras
pessoas.
Em nossos dias, a escravidão se manifesta pelo
domínio econômico, pela falta de reconhecimento do trabalho da
classe mais humilde, daquele que na noite de Pessach talvez esteja apenas
passando bandejas e lavando os pratos.
Simbolicamente, podemos
todos ser um pouco mais gentis e reconhecer o fruto do labor daquelas
pessoas que, ao lavarem nossos pratos e arrumarem nossas mesas junto com
nossas famílias, possibilitam de alguma forma que esta
celebração tão fundamental de nossa
tradição aconteça num clima festivo e farto.
Adicionalmente, no caráter mais universalista, Pessach foi
a transição dos antigos israelitas se fortalecendo e
tornando-se coletivamente o povo judeu. Como povo, nessa jornada, a
responsabilidade social de aceitar e lutar pela liberdade própria e
de todos assumiu para sempre uma conotação relevante.
O próprio livro da narrativa de Pessach, a Hagadá,
começa com o mandato para que todos os famintos venham e comam.
A fome e a miséria. Estes são temas
indissociáveis da política e da sociedade desde a Antiguidade
até os dias de hoje. Em Pessach, O povo judeu pode se permitir
então repensar questões como estas e reavaliar suas
responsabilidades sociais diante da memória de seu passado
milenar.
Em nossos dias, infelizmente, ainda persiste a
escravidão sexual, o tráfico humano, a opressão
econômica, as guerras tribais e outras situações
humilhantes que tornam o ser humano ‘o estrangeiro’.
Neste Pessach, sugiro que possamos aproveitar os vários aspectos
que estas celebrações nos sugerem e que, além de
relembrar nossas conquistas inabaláveis do passado, busquemos outros
meios para fazer ainda mais parte desta corrente de liberdade.
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