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8.8.10

Reê


Nos últimos dias escutei tantas conversas sobre alegrias e tristezas, sobre estar no lugar certo no momento certo e no lugar errado na hora errada. Nelas as pessoas justificavam de modo convincente que não entendiam o porquê de seu sofrimento. Outras buscavam respostas em atos do passado. Outras ainda responsabilizavam terceiros por suas dores. Houve quem atribuísse a origem de seus problemas a Deus, por critérios obscuros. Mas o que mais me chamou a atenção foi a frequência com que, diante da mesma experiência, uns as encaravam como bênção e outros como maldição.


Conforme a psicologia da percepção, o sentido da visão é o mais estimulado, mexe com os sentimentos e influencia muito em nossas decisões. Mas nós não somos meros receptores de imagens. Cada um tem suas vozes internas, seus pensamentos. Quando vemos algo, esta imagem passa pelo filtro de nossas experiências, recheadas de sentimentos e lembranças. A questão de como isso ocorre leva pessoas diferentes a compreenderem um mesmo evento de modos às vezes opostos.


Nesta semana, ao estudarmos a Torá, encontramos Moisés diante de uma multidão, já muito próximos de Israel. O maior dos profetas orienta a sua gente sobre como encarar a vida na nova terra. Como diante de um quadro, ele descreve a todos a seguinte imagem: do vale do rio Jordão podem se observar dois montes: de um lado o monte Guerizim, que transpira vida e fertilidade; de outro o monte Eval, seco, rochoso, parece morto. O silêncio toma conta do povo. Não se escuta um respiro. Cada um olha, vê, observa. A visão é a mesma para todos, mas cada um escuta apenas a voz do próprio coração.


“Quando o Eterno levar você à terra para onde você irá a fim de herdá-la, entregará a bênção sobre o monte Guerizim e a maldição sobre o monte Eval.” Israel, vale à pena lembrar, não é o Jardim do Éden nem nunca será. Terra que emana leite e mel, mas também de povos que os israelitas percebem como gigantes e ameaçadores. Terra de bênçãos, mas também de guerras e de morte. Terra que viria a se tornar um dos mais importantes centros espirituais do mundo, mas também um dos mais delicados locais de conflito do planeta.


Ainda assim, a porção da Torá garante: quem escutar as leis de Deus será abençoado, mas quem não as escutar será amaldiçoado. Pergunta: quantas vezes encontramos pessoas boas, éticas, dedicadas à família, aos amigos e à comunidade, que parecem respirar o ar seco do monte Eval? E por que gente pouco disposta a viver de modo digno, generoso e franco parece se divertir entre os bosques abençoados do monte Guerizim?


O rabino H. Kushner, em seu livro “Quando Coisas Ruins Acontecem às Pessoas Boas”, defende que há um espaço na vida ocupado pela fatalidade, sem conexão direta com a nossa postura diante da vida e independente da vontade de Deus. A questão é como reagimos a estas fatalidades. Por que às vezes escutamos bênçãos e damos as costas, por não nos acharmos merecedores? E como fazem aqueles que escutam o que parecem ser maldições e dão a volta por cima? Para o rabino S.R.Hirsch, a benção e a maldição não estão condicionadas a circunstâncias externas, mas sim às nossas disposições internas. Do vale nós vemos a aparência dos montes – um parece abençoado e outro amaldiçoado, mas as aparências podem enganar. Por outro lado, o que escutamos será uma benção ou uma maldição, dependendo da predisposição com que escutarmos.


Que possamos sempre escutar as vozes do mundo com autoconfiança, inspiração divina e apoio de nossos familiares, amigos e membros da comunidade. “E sejam felizes diante do Eterno seu Deus” (Devarim 12:12)



Shabat shalom,

Uri Lam


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