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6.3.11

RACISMO NUM QUIOSQUE NO LEME

Meus tempos de universidade foram essenciais em minha formação não apenas como jornalista mas, sobretudo, como homem. Eu vivia por demais atado à comunidade judaica e à família. Claro que já tinha ido aos botequins com meu pai, ao Maracanã, jogado bola com meninos de rua, mas, amigos mesmo, eu só tinha na tribo. Na folclórica Eco-UFRJ - onde estudaram Fátima Bernardes, Chacal, Bussunda e tanta gente boa famosa ou anônima - ganhei novos amigos, 99% não judeus, de todas as partes da cidade, do estado, do país e até do exterior (um peruano, um panamenho e uma boliviana faziam parte do meu novo círculo de relações naquele início dos anos 80). Bussunda, que foi meu colega, costumava também dizer isso: a faculdade abriu seus olhos para a diversidade humana. Por isso, ao receber a carta que abaixo transcrevo, de minha ex-colega de faculdade Elisa Barcellos (de quem perdi contato, ao contrário de muitos dos amigos da Eco, com quem me dou até hoje) se nti-me na obrigação de reproduzi-la aqui, pois diz respeito a todos que um dia foram discriminados, e pelo fato de a situação relatada ter acontecido num estabelecimento de nossa cidade. Segue, entre aspas, a carta:

"A gente tenta esquecer, acreditar que é tratado de forma igual, aí vem um porrada que dá um choque de realidade. O dia 16 de fevereiro de 2011 começou como um dos mais bacanas da minha vida. Um amanhecer lindo comemorava o aniversário de Dorinha, 5 anos de alegria, doçura, irreverência. Festa na escola, paparicação da família, dos amigos, a menina e todos felizes.
Para poder terminar a comemoração, com muita gente, como a menina gosta, e aproveitar mais esse dia de verão, foi marcado um encontro no início da noite no Espaço Ox, quiosque da praia do Leme. Lá, adultos nas mesas reservadas e as crianças brincando ora no parquinho ora na correria pela areia.
Saí de lá por volta das 22 horas, deixando meu irmão, minha cunhada, as crianças, família e amigos, todos felizes.
Pois eis que passando um pouco da meia-noite vem a bomba: Dorinha e Lia haviam sido impedidas de entrar, na verdade reentrar no local porque seriam crianças de rua. Ou seja: negras. Imaginar a cena me causou náuseas. Não por minhas sobrinhas estarem envolvidas. Mas porque crianças estavam sendo agredidas.
Crianças deveriam ser protegidas de todos os males do mundo, de todo o egoísmo, de toda a dor.
Minhas sobrinhas foram agredidas de uma das maneiras mais cruéis que existem. E tão pequenas terão que entender que não somos aceitos como iguais, que a ignorância de alguns é muito mais potente que o bom senso de muitos, que isso machuca, fere profundamente.
Mas também aprenderão que devem se impor. Apesar de toda dor, jamais deverão baixar o olhar ou se esconder.
Precocemente e de forma cruel, sei que o destino acabou de formar mais duas mulheres de garra.
Amo vocês, Lia e Dora."
Observação: o pai da menina está ainda em vias de registrar a queixa, e os jornais já estão alertados. Espera-se que, comprovada a denúncia, a funcionária e o estabelecimento paguem caro pelo crime de racismo.

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