Não sei se eu seria uma outra pessoa se tivesse frequentado as colônias de férias de movimentos como o Chazit. Ali o sionismo se unia a ideais de uma sociedade mais justa, em consonância com aqueles que regeram a criação do Estado de Israel. Há quem diga de boca cheia que os kibutzim foram a única experiência de socialismo que deu certo. Mas como eu ia dizendo, por excessos de zelo de minha querida mãe Iná (temerosa de que eu pegasse tétano ou tifo), fui salvo de vários tipos de provação, como acordar empastado, mas perdi também uma série de oportunidades de me enturmar com a "comunidade" num nível mais adulto, o que, àquela altura de minha adolescência tímida, teria sido bastante útil.
Quando, entretanto, surgiu a chance de fazer o Tapuz, eu não aceitaria qualquer negativa maternal. Contei com o apoio de papai na empreitada. E fui. No dia seguinte à minha partida, a saudosa Judith Goldfarb, mãe de meu amigo de infância, o artista plástico Walter Goldfarb, ligou para Iná às seis da manhã e, com sua voz peculiar, gritou: "Iná, você já soube?" Em estado de choque, certa de que se tratava de uma acidente de avião ou de uma guerra iminente em Israel, mamãe ficou muda, à espera da notícia. Judith aguardou a pausa e enfim disse: "O Preço do chuchu! Você já viu quanto está o chuchu?!".
Pois, fora o susto do chuchu, a temporada no Kibutz Urim, uma fazenda búlgara, compensaria em grande medida o que eu perdera não tendo participado das colônias de férias. Trabalhei como um verdadeiro agricultor, acordando às 5 da manhã no frio de zero grau do deserto de Neguev. Ao meio-dia, quando o clima se invertia e um calor senegalesco se instalava, vinha um trator trazendo café com leite e biscoitos de maizena. Ligavam o rádio e estava sempre tocando o Trem das 11, de Adoniran, não sei em que estação, com letra em hebraico.
Foram quarenta dias de labor dos quais guardo histórias saborosas sobre as quais nunca escrevi, mas que me deram o senso da solidariedade e da importância do suor coletivo para a construção de uma vida em comum sem vaidades torpes. Depois, passamos 20 dias visitando o país. Por mais que Massada, Jerusalém, o Mar Morto, Tel Aviv ou o Mediterrâneo tenham me impressionado, foi o cheiro de esterco de vacas do Kibutz Urim, o iogurte do refeitório, a fábrica de casacos Dubon, as plantações de nectarina e de melão, as festas, as fogueiras e as viagens psicodélicas com meus amigos (muitos eram ex-colegas do Liessin), que ficaram guardadas com mais pujança no meu coração.
Depois voltei para o Rio (alguns continuaram, foram à Índia, desbundaram naquele final dos anos 70). Eu estava ansioso Por seguir meus estudos de comunicação na ECO-UFRJ. Encontrara ali também uma família, uma comunidade: a comunidade geral, multiétnica, de vários credos ou sem credo nenhum. Nunca mais voltei a Israel, mas ouço dizer que os kibutzim não são mais aqueles: viraram empresas. Hoje os jovens vão antes à Alemanha e à Polônia para chorar o Holocausto numa espécie de parque de horror temático. E quando chegam a Israel não passam mais por aquele aprendizado das fazendas coletivistas.
Prefiro como as coisas eram nos meus 17 anos. Mesmo sem ter participado de nenhuma das marchas da vida, tenho inteira consciência, ou até maior, dos terrores pelos quais meu povo passou, que transcendem o Holocausto: as cruzadas, a inquisição, as perseguições na Europa Oriental, os pogroms. Sei também que resta muito pouco daquele idealismo em Israel ou na diáspora. Por isso tenho medo, hoje, de ir a Israel: não pelo risco de cair o avião ou de dar de cara com a eclosão de um conflito com os palestinos ou com o mundo árabe. Mas pelo fato de meu passado ter sido dali abduzido, rumo a um futuro em que tudo o que resta é o pragmatismo. Shalom.
(Fonte: Notícias da Rua Judaica)
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