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30.1.11

Mishpatim



Normalmente pensamos, com razão, que as leis vêm para limitar nossas liberdades. As leis estabelecem o que é proibido e o que é permitido e com isso delimitam o uso de nossas forças e capacidades.

Os mandamentos estabelecem uma relação segundo a qual quem recebe uma ordem precisa fazer o que ordena aquele que mandou, realizar o que o mandamento manda, e portanto, o mandado fica de algum modo numa posição fraca diante de quem manda.

Porém um olhar mais profundo, no mínimo no caso das leis da Torá, mostra-nos que as coisas não são sempre e apenas assim.

As leis judaicas não apenas estabelecem proibições, mas também ordenam mandamentos positivos. Um mandamento positivo, ao expressar-se, implica que o mandado tem a capacidade de realizá-lo. Desse modo, ao contrário do que normalmente tendemos a pensar, a ordem diz ao ordenado: você é capaz de realizar isto ou aquilo, você pode e eu confio na sua capacidade de realizar. Ainda que estabeleçam limites, os mandamentos promovem o uso de nossas capacidades. Inclusive os limites entre os quais é estabelecida a permissão de realizar uma capacidade ou uma força, pois mesmo que limitem também promovem, chamam à realização da força ao mostrá-la.

Na parashá de semana, Mishpatim, aparecem muitas de nossas leis mais antigas. Lá podemos comprovar mais uma vez que o judaísmo mais original não era uma religião de meros rituais. Embora fique bem claro que se trata de uma religião de ação, de preceitos e de leis, eles não se limitam nem se centram em rituais. Seu objetivo é organizar a vida da sociedade e do indivíduo de modo de garantir a postura ética tanto no agir quanto no ponderar antes de agir. A lei que mais se repete nesta grande lista é a de ajudar o estrangeiro e se ver identificado precisamente com ele, fazer a viagem de aproximação em direção ao mais diferente, achar o mais necessitado e ajudar.

Aqui surge o paradoxo mais estranho e bonito da lei judaica: não apenas precisamos ajudar aquele que nos solicita ajuda, mas precisamos buscar o necessitado e ajudá-lo. Nós que temos uma força, uma vantagem, uma capacidade, devemos buscar aquele que pode precisá-la para doá-la. Desse modo o fraco da sociedade, o necessitado, é quem necessitamos para realizar nossa capacidade, nossa vantagem e nosso bem. É a existência do fraco e do necessitado que nos doa a oportunidade existencial de realizar o nosso bem. É o fraco que de algum modo convoca nossa força à existência.

Toda demanda, bem como todo mandamento e toda necessidade, convocam nossas capacidades a responder aos mesmos e desse modo, diria o filósofo Emmanuel Lévinas, nos convoca a existir, a ser e a evoluir. Assim a lei, mesmo que limite ou mande, promove nossas forças assim como de quem necessita de nós. Na Idade Média o sábio Almosnino propôs que são os ricos que devem gratidão aos pobres, por serem os pobres que geram aos ricos a oportunidade de dar. Se ampliarmos o conceito para além do material, podemos sentir gratidão em relação a cada pessoa que espera algo de nós e assim nos leva à nossa própria realização.

Shabat Shalom,
Rabino Ruben Sternschein

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