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24.10.10

Os irmãos Coen e os rabinos

Às vezes a gente se vê sem assunto e apela para o vazio. Mas o vazio está cheio de coisas. Diversas. Diversidade: essa palavra mágica. Faz pensar no último filme dos patrícios americanos Irmãos Coen (Joel e Ethan) - produtores, diretores e roteiristas cultuados no mundo do cinema por suas produções sempre ousadas e diferentes entre si: paródias de Frank Kapra ("A roda da fortuna"), comédias delirantes ("O grande Lebowski"), tramas enigmáticas ("Fargo") ou westerns pós-modernos como o ultraviolento e perturbador "Onde os fracos não tem vez". A temática judaica em geral só atravessa seus filmes em rápidas citações ou naquilo que nem é dito.
Mas um de seus filmes mais recentes, "Um homem sério", é todo judaico, e em seu sentido mais plural e diverso: a questão dos rabinos. O filme começa com uma cena toda em iídiche. Um casal num shtetl lá pela virada dos séculos 19 pro 20 em sua humilde casinha recebe a visita de um rabino. A esposa acha que o visitante é um dibuk, porque o rabino em questão tinha morrido semanas antes, ela mesmo vira o corpo. O rabino com aquele jeitão calmo tenta convencer o marido do contrário. Ele diz, com suas barbas muito longas e aquele sorriso voz sábio e sereno dos rabinos mais alegres do leste: "Que mulher você tem, hem?". Depois de muito papo furado, saco cheio, a mulher, enfim, pega um garfo e espeta o coração da criatura que ela julga ser um espírito mau. O rabino silencia uns instantes, volta a sorrir e diz, novamente: "Que mulher você tem, hem?". Levanta-se, vai lentamente até a porta, e se despede anedoticamente, mais ou menos assim: "Eu sei reconhecer o momento em que não sou mais bem vindo em uma casa". E sai para a noite fria de neve, e a gente não sabe se ele é dibuk ou o rabino moribundo, pois a cena é cortada e o filme vai continuar contemporaneamente, com uma história que se passa nos EUA (não me lembro mais se NY), com um sujeito cuja vida está de cabeça para baixo, tudo errado, casamento trabalho dinheiro. Ele começa a procurar ajuda com rabinos, mas, a cada novo rabino, a vida vai se complicando ainda mais. O filme me fez refletir muito sobre o Talmude, uma tradição oral tardia que, embora emane dos ensinamentos da antiga Torá, contém paradoxos e contradições que se fazem entre as palavras de vários sábios, mostrando que a vida, mesmo para quem tem um livro sagrado, é sempre cheia de enigmas, e que, como na filosofia, embora busquemos sempre a verdade, ela pode estar compartilhada (palavra do momento...) entre as visões mais diversas, mesmo opostas. Diversidade no judaísmo, para mim, é isso aí: bom é ter vários rabinos debatendo entre si. Se a voz for de um rabino só é que a coisa começa a ficar complicada.  Shalom.

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